segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ESPIRAL DE AUTO-RENOVAÇÃO E LEI DE ROUX - UMA PERSPECTIVA DIFERENTE

Estou publicando com prazer e com autorização do professor Jorge Maciel o texto abaixo, que diz respeito a alguns assuntos relacionados ao treino, aquisição e recuperação, de uma forma coerente. O texto segue uma lógica de análise sobre um outro texto, com a contextualização simultânea ao futebol e ao treino.Vale a pena ler e refletir.
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Espiral de AutoRenovação e Lei de Roux – Uma Perspectiva Diferente

Jorge Maciel
Março de 2011

A ideia de auto renovação vai de encontro à essência da evolução dos sistemas complexos, os quais somente quando se encontram a funcionar na fronteira do caos podem fazer emergir novas ordens de complexidade, o que nos remete para conceitos importante das ciências da complexidade como, AutoEcoOrganização, estruturas dissipativas e a emergência de novos níveis de organização dentro de um determinado padrão, no caso um padrão funcional que revela incrementos de complexidade a nível biológico.


Tal como tudo na Vida, aliás como sugere o texto é essa a definição de Vida), também a Biologia Humana (entidade viva feita de vidas) não busca a permanência e a estagnação, trata-se portanto de uma realidade dinâmica e plástica que necessita de renovação permanente e de estímulos adequados para revelar potencialidades emergentes, mas por isso mesmo também latentes. Sendo ainda importante salientar que tal reestruturação orgânica se verifica rapidamente (Torbellino metabólico –turbilhão metabólico).


Além disso, e não menos importante como adverte o texto é fundamental a Especificidade do estímulo que desencadeia o acto motor e a reestruturação ou reorganização orgânica, aspecto muitíssimo pertinente e que sustenta de forma inequívoca a Especificidade como uma necessidade no processo de treino. Substitui o conceito de carga pelo de estimulo propositadamente, sendo importante ter consciência que se trata não de um pormenor linguístico, mas na verdade de um conceito cuja substância difere da que convencionalmente se entende quando se utiliza o termo carga (conotado com a norma do treinar).



Até aqui o texto salienta a técnica dos Átomos marcados, uma técnica utilizada para perceber o tipo de mutações e nalguns casos degenerações registadas nas células quando submetidas a um estímulo. Penso ser pertinente, sabendo o que se sabe hoje, ponderar e especular até que ponto este processo biológico explicado no texto não poderá estar subjacente aos fenómenos Epigeneticos e Ecogeneticos, levando-nos ainda a ter de considerar a relevância da dupla função do ATP aquando da vivenciação de tais reestruturações celulares. Devendo também ter-se sempre em consideração o termo psicossomático, e como tal contemplar os efeitos múltiplos e sob as múltiplas estruturas que as adaptações orgânicas poderão implicar. Aspectos todos eles muito relevantes no sentido de evidenciar a possibilidade do treino agir sobre a plasticidade humana.


Um aspecto importante para o que se pretende referir e indo de encontro ao referido no excerto de cima, é não ignorar que os gastos energéticos elevados estão associados à actividade global do organismo. Não podemos por isso ter uma visão redutora, centrada exclusivamente nos aspectos ditos físicos, entendendo-se desse modo a fadiga como uma realidade multidimensional tanto nas suas formas de manifestação como também naquilo que as provoca. Sendo o Futebol uma modalidade colectiva, que para se expressar com qualidade se deve suportar numa determinada organização intencionalizada, partilhada e que implica toda a corporalidade do ser que joga, depreende-se que o desgaste subjacente é substancial, assumindo-se a gestão e contemplação deste como um dos aspectos mais relevantes no treino de Futebol. Torna-se assim um imperativo este reconhecimento assim como a necessidade de o minimizar. Se é verdade que o Corpo despende energia para a gestualidade implicada no Jogo, também a requisita para a manifestação inteligente e criativa de um jogar.


Não é só o músculo que consome energia, sabe-se hoje que o cérebro (um tecido glucodependente) é um dos principais consumidores de energia do organismo humano. E sabe-se também, conforme já aludi, que o ATP desempenha um papel muito relevante como transmissor de informação, isto é como informador acerca dos múltiplos estados que o Corpo vivencia em diferentes instantes, sendo por isso uma molécula determinante para a proprioceptividade e como tal para assegurar a funcionalidade conforme e criteriosa dos milhões de cérebros que nos compõem. Se este elemento estiver deplecionado depreende-se que a funcionalidade do sistema (no caso um sistema em interacção) fica condicionada, pois a informação por ele veiculada não será a mais condizente com a desejada, e por conseguinte vai induzir uma estimulação dominante das vias metabólicas que não se ajustam ao jogar desejado. Este elemento quando em menor quantidade no interior das células, vai estimular as vias metabólicas ditas de menor potência, pois são aquelas que requisitam menor quantidade de aporte de ATP por unidade de tempo, logo se há pouco, gasta menos, economiza recorrendo a metabolismos de mais baixo consumo por unidade de tempo.


Este ponto do texto refere aspectos determinantes para um correcto entendimento acerca do modo como as diferentes vias metabólicas interactuam, salientando ainda a sua interdependência sem que deixe de ser simultaneamente uma interindependência, tornando ainda evidente a importância do repouso para a possibilidade de alcançar novos (maximizados como seguidamente se verá) estados de reestruturação metabólica (estrutura dissipativa). Estes aspectos são de grande importância para uma conveniente operacionalização do processo de treino, tenha ele uma dominância aquisitiva ou de recuperação. Desde logo desmitifica a ideia que para recuperar se deve actuar fundamentalmente sob a via oxidativa, mostrando que independentemente da via metabólica dominantemente utilizada e responsável pela fadiga todas requisitam a oxigenação das células para funções de realimentação, de remoção de metabolitos e de restabelecimento dos valores basais do organismo, no entanto, isto só se torna possível quando os tempos de repouso são devidamente respeitados. No que diz respeito ao futebol este facto tem repercussões muito relevantes para a forma de operacionalizar a recuperação (após competição e no próprio treino). Após competição fica evidente que é actuando sob a mesma matriz de esforço registada em competição que a recuperação se faz mais eficazmente e melhor respeitando a especificidade da modalidade praticada e de modo particular da Especificidade de um jogar. Para tal importa ter em consideração que o “repouso” não é um estado de paralisação metabólica ou orgânica, muito pelo contrário é ele o responsável pela reestruturação do sistema, ou seja é ele que permite novos formas de ordem a partir da desordem circunstancial, mas que respeita uma determinada padronização (a estimulação subjacente a um jogar). Uma padronização que para ser respeitada deve respeitar com critério os tempos de exercitação, e não menos importante os tempos de repouso. Ou seja, apesar de dominantemente as análises quantitativas ao tipo de esforço registado no futebol (estudos Time Motion) salientarem a dominância (temporal – quantitativa) das vias aeróbias, aqui tendo por base uma análise qualitativa do padrão de esforço subjacente à prática de futebol, conclui-se que as acções (na verdade são interacções) mais relevantes e preponderantes são levadas a efeito tendo como base dominante as vias anaeróbias alácticas. Parte-se assim do reconhecimento, que o futebol sendo uma modalidade intermitente que contempla a solicitação das várias vias metabólicas, são as de mais de alta intensidade a nível fisiológico (metabolismo anaeróbio aláctico) que se assumem como determinantes na generalidade das acções relevantes, sendo por isso mesmo sobre estas que dominantemente o treino (tenha ele mais cariz de recuperação ou aquisitivo) deverá incidir, uma vez que a sua finalidade será induzir nos organismos uma adaptabilidade tal que lhes permita dar resposta e possibilidade de lidar eficazmente com uma elevada, isto é, muito frequente estimulação destas vias metabólicas, sendo isto possível através de uma adaptabilidade que permita a diminuição (importa relativizar) dos tempos de repouso entre estimulações. Trata-se portanto, de em termos biológicos conferir ao organismo uma maior eficácia a qual lhe permite após ser submetido a um estímulo intenso restabelecer os seus índices basais mais rapidamente, o que por conseguinte possibilita que o organismo consiga suportar esforços às expensas das vias metabólicas anaeróbias alácticas com muito maior densidade e sem que tal seja acoplado, ou exclusivamente sustentado noutras vias metabólicas (ainda que paradoxalmente elas não funcionem em separado) devido à fadiga induzida e não respeito pelos devidos tempos de repouso. Este é aliás um dos maiores problemas que parece verificar-se na generalidade dos processos de treino, treinar cansado por não se respeitarem convenientemente os tempos de repouso, uma vez que é tal não contemplação que origina adaptabilidades metabólicas contraproducentes relativamente à que se deseja. Isto é, se o período de repouso não for o suficiente para restabelecer os valores basais de fosfocreatina e ATP, quando submetido a um estímulo o organismo (o jogador) não deixará de responder, no entanto, fá-lo-á socorrendo-se das vias metabólicas não desejadas, visto que como foi referido o ATP será recrutado e estará implicado na concretização do movimento de outro modo que não o desejável para a concretização de um jogar de qualidade. Quando tal sucede com regularidade estabelece-se como adaptação e o que se verifica é uma adaptabilidade contraproducente que se reflecte por querer mas não poder, fica um jogar sem a variabilidade e disponibilidade de andamentos ou ritmos desejados. É um processo semelhante ao que se observa nos automóveis quando por norma funcionam com baixas rotações independentemente das velocidades que estejam engrenadas, quando estimulados no sentido de funcionarem com uma rotatividade maior revelam muitas dificuldades, porque o motor criou uma adaptabilidade, pelo fazer, que não vai de encontro àquela solicitação. Importa realçar a este respeito que associada a uma solicitação fisiológica “de baixa rotação” em treino, por norma se encontra associada uma outra adaptabilidade que se revela contraproducente relativamente à manifestação de um jogar de qualidade, e cujas implicações se repercutem no padrão motor manifesto. Aquilo a que me refiro é, que associada a estas implicações metabólicas está a solicitação de uma determinada gestualidade corporal. A gestualidade requisitada pelo corpo quando tem de dar resposta a solicitações dominantemente aeróbias ou anaeróbias lácticas difere substancialmente (nas amplitudes de movimento dos segmentos, nas velocidades, durações e tensões musculares requeridas aquando da contracção e ainda no modo como é levado a efeito o encadeamento de acções) das que se verificam quando o organismo é obrigado, por vezes como no caso do futebol, a funcionar em alta rotação. A gestualidade implicada num jogar de qualidade implica uma grande versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que geralmente não acontece. Por este motivo as equipas além de revelarem baixa rotatividade, independentemente de poderem ter carros de alta cilindrada, jogam também pelas adaptações biomecânicas associadas, com o travão de mão puxado, uma vez que a manifestação e vivenciação (em treino e competição) de um jogar em baixa rotação tem subjacente um padrão gestual contraproducente, robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível, hipotecando assim a interacção bem sucedida da tríade EstéticaEficáciaEficiência. Sendo isto generalizado nas equipas assume-se como o padrão de desempenho dominante no futebol actual, um padrão claramente distinto do requisitado para a manifestação de jogares de qualidade. Face ao exposto, parecendo mais um detalhe no processo de treino, revela-se de facto um pormaior a devida contemplação dos tempos de repouso, visto que a exercitação continuada de um jogar sob fadiga acentuada tem implicações metabólicas e induz na gestualidade do corpo uma adaptabilidade postiça relativamente àquela que vai ser requisitada em jogo. E claro, não nos devemos esquecer que associado a estes aspectos há toda uma predisposição mental que não é a mais desejada. O Corpo além de não estar devidamente implicado na vivenciação de um jogar (não respeito pelo padrão metabólico e gestual) também não estará totalmente implicado nessa vivenciação. Será um Corpo tipo zombie que vive o jogar sem emotividade e ainda mais sem o sentir, um organismo desalmado (sem alma), letárgico, reactivo, anestesiado pela dinâmica (sem dinamismo) do processo de treinocompetição. Voltando à metáfora do carro, será um carro a funcionar ao relanti. Trata-se portanto de um conjunto de aspectos que induzem uma determinada (in)adaptabilidade que leva o carro a funcionar em baixa rotação, de travão de mão puxado e ao relanti. Como resultado final temos um veiculo para provas de enduro com “vontade” de ficar na garagem, quando aquilo que deveríamos ter era um formula 1 afinado para os circuitos mais sinuosos (variabilidade de trajectórias, ritmos e velocidades). Face a isto verifica-se por conseguinte também uma maior propensão para lesões e um Corpo a sentir-se (paradoxalmente sem sentir) estranho na tentativa de dar resposta a um jogar e às implicações do Jogo. Penso que isto apenas não é mais evidente, porque a generalidade das equipas se encontram no mesmo patamar, geralmente muito fatigadas e preparadas para “corridas” de longa duração.

Importa salvaguardar que apesar da ênfase colocada anteriormente nas vias anaeróbias e de modo mais relevante nos fosfagénios, não se quer passar a mensagem que a via aeróbia é irrelevante numa modalidade como o futebol, muito pelo contrário. Aliás a advertência que se faz quando se realça a importância do repouso salienta a necessidade do metabolismo aeróbio actuar em tais períodos de forma dominante para que a conveniente reorganização (autoorganização / autopoiese) do organismo se observe. O que se pode depreender do texto é que por muito paradoxal que possa parecer a estimulação das vias anaeróbias tem subjacente uma estimulação muito significativa das vias aeróbias quando os períodos de repouso são devidamente assegurados, arrisco a dizer que mais significativa do que a verificada numa estimulação aeróbia convencional. Deste modo, a periodização convencional encontra aqui mais um ponto de refutação, uma vez que como mostra este texto não é necessário seguir uma lógica sequencial em termos de metodologia, que determina primeiro o desenvolvimento da dita capacidade aeróbia (volume) para gradualmente sair desta e incidir sobre as capacidades anaeróbias (convencionalmente conotadas com a intensidade). Uma das principais conclusões que se deve reter do que foi referido anteriormente é que a sobrestimulação das vias aeróbias em detrimento das anaeróbias, e mais precisamente no caso do futebol das anaeróbias alácticas, poderá pela adaptabilidade Biológica criada (desde os níveis mais micro: a nível da massa mitocondrial; a nível celular – níveis intermédios/meso: diferentes órgão e sistemas implicados no controlo, comando e efectivação do movimento - até níveis mais macro: alterações na gestualidade dos segmentos corporais e consequentemente na relação/ralação extremamente sensível entre estes, contribuindo tudo isto para um funcionamento exclusivamente em “baixa rotação”, com o travão de mão puxado e ao relanti) hipotecar a possibilidade dos mecanismos associados à solicitação dos fosfagénios se manifestarem eficazmente.

O que foi até aqui referido tem implicações também no treino dominantemente aquisitivo. Os tempos de repouso são igualmente determinantes para aquisição da complexidade vivenciada no processo de treino. Os períodos de repouso são determinantes para a estabilização das aprendizagens efectuadas, pois são esses períodos que permitem que a reorganização neuronal e dos circuitos neurais se verifique e deste modo se observe a verdadeiro InCoporAcção do jogar vivenciado. A este respeito importa referir uma frase à qual recorre por vezes o Professor Vítor Frade, “aprende-se a nadar no Inverno”, a qual contempla a necessidade de estabilização de uma nova aquisição. Claro que no treino os espaços de tempo serão mais reduzidos, até pela habituação ao próprio processo de treino, no entanto, não deixa de ser relevante salientar que um aspecto a ter em conta na mais ou menos rápida estabilização das aprendizagens são a maior ou menor precocidade do processo e a maior ou menor identificação dos jogadores com o que se pretende. Daí que se trate de uma progressão que por não ser linear deverá ter estes aspectos em consideração, e é por isso mesmo que se diz complexa.

Tendo em consideração o que tem vindo a ser referido tanto a nível aquisitivo como de recuperação, a correcta contemplação dos períodos de exercitação e de repouso assume-se como determinante para que se observe uma conveniente InCorporAcção do jogar e para que se estabeleçam de forma continua condições favoráveis a tal fenómenos de Adaptabilidade Orgânica. Só através desta articulação, que faz sentido, entre aquisição e recuperação permite que o jogar seja devidamente sentido e a sê-lo em Especificidade, ter um determinado Sentido, evidenciando assim de forma mais vincada ainda que de facto se trata de duas dimensões da mesma face da moeda. Procura-se deste modo que os jogadores e como tal as equipas, manifestem e adquiram um jogar em treino e em competição com o mínimo de fadiga possível. Como é que isso se torna possível? Respeitando o Princípio Metodológico da Alternância Horizontal em especificidade, ou seja, distribuindo ao longo de um Morfociclo a vivenciação dos diferentes níveis de complexidade de um jogar (escalas do jogar vivenciado, concentração subjacente a essa vivenciação, padrão de contracção muscular dominante, padrão metabólico dominante…) salvaguardando a frescura da equipa. Este Princípio Metodológico contempla a não massificação dos mesmos elementos responsáveis implicados na (inter)Acção e na gestualidade associada à concretização de um jogar, sem que observe perda da Especificidade Biológica requisitada por esse jogar. É este Princípio Metodológico que permite também que a Adaptabilidade Orgânica desejada e relativa a um jogar se estabeleça nos jogadores, uma vez que é ele que permite, não a individualização do treino, mas a Corporalização individualizada de um jogar fazendo-o tendo por finalidade a emergência de uma Corporalidade Colectiva intencionalizada. São as várias corporalidades intencionalizadas (especificidades) que permitem a edificação e manifestação regular de uma Corporalidade Colectiva partilhada e intencionalidade, um grau de mestria e harmonia que ao assumir-se como regularidade é identificador de um fenómeno altamente dinâmico e complexo de ressonância empática. Penso que a este nível de desempenho nem todas as equipas ascendem, é o patamar da excelência, o TOP, mas mesmo assim deveria ser o patamar a que todas deveriam aspirar. Quando tais desempenhos se verificam o que se observa é uma fusão intencional e funcional entre os vários Eus (especificidades) que compõem a equipa e que se concretiza pela fluidez e harmonia com que o todo (Especificidade), o jogar da equipa, se expressa. Trata-se portanto de um fenómeno de AutoEcoHeteroEngendração, no qual partes e todo se harmonizam engrandecendo-se mutuamente, é sem duvida a concretização sublime, num domínio concreto e específico do Principio Hologramático. Um estado de complexidade supra, que requisita não somente uma conveniente opção a nível de concepção de jogo, mas também uma conveniente opção, e ainda mais concretização/operacionalização no domínio metodológico. Tal só é possível se a engendração entre os Princípios Metodológicos se fizer correctamente aquando da operacionalização do processo. O que passa pela necessidade de reconhecer a importância de incidir sobre o plano individual (a vários níveis: metabólico, muscular, biomecânico, decisonal) e as implicações que os vários níveis que o compõem têm no jogar e no treinar. Através do Princípio da Alternância Horizontal em especificidade, e da relação deste com os demais Princípios Metodológicos, pretende-se precisamente isso, ou seja, agir sobre a singularidade, ainda que em contextos, em termos dominantes, não exclusivamente individualizados e tendo como referência um todo que dá sentido a essa corporalidade. Contrariamente ao que convencionalmente concebe a norma do treinar, é a partir do todo (o jogar, um referencial colectivo) que se dão alterações na parte (jogador) que o suportam, uma engendração complexa que ao consumar-se faz emergir algo mais complexo (Especificidade) que a aquilo que resulta da soma das partes (especificidade). A especificidade (nível micro da Especificidade) refere-se aos não somente às particularidades de cada ser que joga (Eu) e que contribui de forma única para o jogar. É também o conjunto de especificidades relativas às múltiplas escalas do jogar vivenciadas ao longo morfociclo e que conjuntamente com as especificidades relativas aos vários Eus, e também às do contexto, farão emergir uma realidade global bem mais complexa que ao manifestar-se em termos probabilísticos com regularidade se pode designar de Especificidade. Conclui-se assim que a Especificidade mais não é que a emergência decorrente da engendração das várias especificidades, as especificidades da corporalidade singular de cada ser que joga, que são induzidas pelas especificidades metabólicas, contrácteis, das diferentes escalas do jogar vivenciadas ao longo do processo. Justifica-se deste modo que o Princípio da Alternância Horizontal em especificidade seja redigido deste modo (especificidade e não Especificidade), uma vez que o que se vivencia ao longo de tal alternância são escalas micro da Especificidade. Pode também referir-se, por preciosismo, que a redigir-se Especificidade em vez de especificidade aquando da designação deste Princípio Metodológico, deixaria de fazer sentido falar em alternância.

Relativamente a este Princípio Metodológico parecem já bastante abordadas as nuances verificadas ao longo da semana no que diz respeito, às diferentes escalas do jogar (níveis de organização da concepção de jogo), à Intensidade (concentração) implicada na vivenciação dessas escalas e ainda no que se refere ao padrão de contracção dominante a levar a efeito nas várias sessões que compõem o Morfociclo. No entanto, o mesmo não se verifica com o padrão metabólico dominante a respeitar nos diferentes dias. Independentemente deste se concretizar associado aos aspectos anteriormente mencionados e se concretizar se esses forem devidamente operaconalizados, a verdade é que parece existir alguma desinformação a este nível. Por este motivo penso ser pertinente que se esclareça o modo como o padrão metabólico deverá ser nuanciado de um Morfociclo, de modo a evitar o que por norma se verifica, o não cumprimento dos tempos de repouso e exercitação que motivam uma (in)adaptabilidade que leva as equipas a treinarem e competirem permanentemente em “baixa rotação”, com índices de fadiga acumulada consideráveis e em casos extremos sobretreino.

Antes de caracterizar o modo como as vias metabólicas se expressam em cada um dos dias que compõe o Morfociclo, importa salientar a importância da fraccionação do treino. A fraccionação das sessões de treino, é uma consequência inevitável e necessária para que a relação desempenho recuperação se faça convenientemente, isto é, respeitando os períodos de repouso para que o jogar seja vivenciado, conforme já foi referido, com uma intensidade (fisiológica) elevada. Apesar de aparentemente paradoxal tal como na manifestação de um jogar de qualidade também no processo de aquisição que lhe está subjacente, a pausa se assume como um elemento fundamental para que haja elevada Intensidade e Velocidade.

Na caracterização dos diferentes dias recorrerei ao termo densidade para me referir à relação proporcional entre o tempo de exercitação e o respectivo repouso. Por exemplo 1/3, sugere que a cada tempo de exercitação correspondem 3 de repouso. Importa advertir que a densidade sugerida serve exclusivamente como um referencial geral que visa padronizar as dominâncias metabólicas requeridas e que faz sentido se a Intensidade de treino se revelar de facto como tal, não devendo ser encarada de forma estanque e deverá ter em consideração muitos aspectos como a maior ou menor precocidade e habituação a um processo de treino ou até a própria configuração dos exercícios.

Terça-feira: conforme já sugerido anteriormente, os estímulos devem ser curtos e de “elevada” intensidade, solicitando fundamentalmente o metabolismo anaeróbio aláctico e proporcionando períodos de recuperação largos para que o metabolismo aeróbio possa proceder à regeneração, reorganização e realimentação do organismo. Sessão de treino bastante descontinua. Densidade: 1/8 – 1/9

Quarta-feira: pelo tipo de configuração que os exercícios apresentam neste dia, os estímulos deverão ser igualmente curtos, ainda que menos que no dia anterior, solicitando o metabolismo anaeróbio aláctico, podendo entrar pela duração dos estímulos nas franjas abrangidas pelo metabolismo aeróbio láctico, mas sem que haja prolongamento dos desempenhos à custa desta via metabólica. Importa que a acidose metabólica não se instale, trata-se portanto de uma estimulação que podendo socorrer-se do metabolismo láctico, não deixa de ser um láctico residual, quando entra nesse limiar é o momento de parar. Deverá ser o mais fraccionado de todos os treinos que compõem o Morfociclo. Densidade: 1/4.

Quinta-feira: nesta sessão de treino os estímulos em termos metabólicos são muito semelhantes aos que se verificam em competição, devido aos mais largos tempos de exercitação o organismo socorre em função das circunstâncias às diferentes vias aeróbias implicadas na manifestação de um jogar, devendo no entanto não se ignorar o que foi dito anteriormente acerca da análise qualitativa dos desempenhos dos jogadores de futebol. Tendo em consideração o que foi referido anteriormente acerca da importância do repouso para a aquisição de um jogar e para o proporcionar de condições favoráveis para essa aquisição, sendo este treino o mais contínuo dos treinos deverá, contudo, ser o mais descontinuo possível, para que se observem momentos de estabilização das aprendizagens, de reflexão e momentos de repouso aproveitados também para afinar porcas e parafusos. Densidade: 3/1 – 4/ 1

Sexta-feira: sessão de treino que com o intuito de respeitar a alternância horizontal e o evitar do acentuar de fadiga à medida que a competição se aproxima, se caracteriza por estímulos de curta duração com elevada intensidade do ponto de vista locomotor, obrigando assim a um descanso significativo entre acções, ainda que a complexidade que lhes está associada seja menor, mas sempre sobredeterminada por um jogar. Trata-se de um treino bastante fraccionado, embora menos que o de quarta-feira. Do ponto de vista metabólico as (Inter)Acções requeridas nesta sessão deverão ser asseguradas pelas vias anaeróbias alácticas, motivo pelo qual conforme sugere o Professor Vítor Frade, “a densidade deste padrão de esforçar tem de ser menor”. Densidade: 1/8 – 1/9

Sábado: pela proximidade ao momento de competição este treino deverá ter como principais propósitos dar continuidade à necessidade de recuperar e predispor os jogadores para a competição (aspecto que mais abaixo será aflorado). Deste modo o tipo de solicitações visam activar sem cansar, devendo para isso assumir uma configuração em que as (Inter)Acções deverão caracterizar-se por reduzida duração, elevada velocidade de execução, estimulando deste modo as vias anaeróbias alácticas, devendo verificar-se uma muito reduzida densidade. Densidade 1/10. Procura-se dar uma configuração ao treino que permita criar nos jogadores a ilusão que treinaram, mas na verdade nada de significativo fizeram em termos de desgaste.

Foi sugerido que é pela fraccionação do treino que a alternância se consuma e se estabelece a adequada relação desempenho recuperação sem perda de Intensidade, no entanto, esta por si só não explica as diferenças que se devem verificar ao longo do Morfociclo, até porque como se observa há dias que são bastante próximos do ponto de vista da solicitação metabólica dominante. Assim, importa ainda ter em conta a configuração dos contextos de exercitação, o que leva à abordagem do Princípio Metodológico das Propensões e sua relação como o Princípio Metodológico da Alternância Horizontal em especificidade. O que foi referido atrás relativamente à configuração metabólica é, não obstante, um outro nível de expressão do Princípio Metodológico das Propensões, propensão para uma determinada solicitação metabólica cuja alternância respeita e contribui para a conveniente operacionalização do Princípio Metodológico da Alternância Horizontal, que por ser uma solicitação metabólica implicada na vivenciação de um jogar, se faz em especificidade, para alcançar a Especificidade.

O Princípio Metodológico das Propensões permite conferir uma configuração aos contextos de exercitação que possibilita aos jogadores uma estimulação padronizada relativa a um jogar (Morfociclo Padrão), que respeita a Adaptabilidade (a todos os níveis) desejada, isto é, a que está subjacente a um jogar e não a que torna contraproducente a concretização desse mesmo jogar. O Princípio Metodológico das Propensões tem como propósito criar contextos de vivenciação ricos, que possibilitem o emergir com elevada densidade as diferentes dimensões (concepção de jogo e suas diferentes escalas, Intensidade, padrão de contracção muscular, padrão metabólico…), tendo estas as configurações acontecimentais que vão mais de encontro às necessidades momentâneas da equipa e assim determinadas / hierarquizadas pelo treinador. O qual tendo como preocupação a InCorporAcção de uma forma de jogar criará configurações, ou contextos de exercitação que façam emergir determinados desempenhos, determinadas InterAcções e determinadas dinâmicas de DesempenhoRecuperação. A criação desses contextos aquisitivos e intencionalizados que obedece a uma lógica aquisitiva (Morfociclo Padrão – Matriz Processual que respeita os Princípios Metodológicos), que está sobredeterminada por uma determinada concepção de jogo (Matriz Conceptual – Intenção Prévia). Aqui entronca o conceito de caos determinístico, visto que é a Intenção Prévia e a configuração conforme dos contextos de treino que sobrederteminam o processo sem que este perca a sua configuração ou forma Macro (daí Morfociclo), nem a sua essência não linear, aberta e dinâmica. Porque o Processo tem estas particularidades, e porque tem implicadas entidades altamente complexas desenvolve-se na fronteira do caos. O treino de Futebol é uma problemática que se centra na mais complexa realidade conhecida, o Corpo Humano. Um Corpo extremamente complexo e por isso mesmo extremamente sensível às condições iniciais, facto exponenciado por se tratar de uma problemática em que o Corpo além de buscar o rendimento o faz em InterAcção (num casos cooperante e noutros numa dinâmica de confronto) com outros Corpos, sem ficar imune a tudo o que envolve as circunstâncias em que procura manifestar a sua excelência. A problemática altamente complexa do treino de futebol preocupando-se com o rendimento e a sua maximização, não poderá ignorar os condicionalismos inculcados pela dimensão antropológica do ser que joga, e para tal terá necessariamente que respeitar, ainda que o desafiando, o Ser que joga. O Corpo necessita para evoluir, de alternar estados de superação com estados de reestruturação, daí que no processo de treino se deva ter especiais preocupações com a fadiga e com a necessidade de recuperar. A fenomenologia do treinar, enquanto realidade dinâmica caracteriza-se pela causalidade não linear, tal como a culinária, e também como nesta actividade também o problema das dosagens é determinante. É um fenómeno de MetaModelização em que o acto de Modelação, um misto de Arte e Ciência se vai fazendo e dando contornos ao Modelo, fazendo-o progredir e por vezes regredir. A fenomenótécnica do treinar exige muito saber e rigor cientifico, mas também, por não ser linear muita sensibilidade e intuição. É por este motivo que a operacionalização conveniente do processo de treino se faz não somente pela conveniente operacionalização dos contornos formais dos Princípios Metodológicos, mas também pelo modo como eles são geridos e articulados no confronto e interacção permanente com a realidade que envolve o processo. Ou seja, a dimensão ou plano científico do processo tem de contemplar o Sentido da Divina Proporção, que ao nos remeter para o plano da arte, para o plano menos cientificável da gestão do processo justifica a denominação de MetaPrincípio.

A ênfase deste texto leva a que se reforce a necessidade de neste misto de Ciência e Arte, se respeitarem as necessidades metabólicas do organismo que joga e a possibilidade de exercitação conforme de uma actividade, que ao ser levada a efeito em Especificidade, fazendo-o com um Corpo fresquinho o torna mais propenso ao entranhar dessa Especificidade. A vivenciação de um jogar em tais condições, permite ainda a maximização do organismo no desempenho de um jogar, através de um processo (Treino) que na realidade se manifesta como uma espécie de Resiliência Metabólica ou Orgânica continuada, que no entanto, requer a devida alternância, para que se assegure a não massificação dos mesmos sistemas ao longo do Morfociclo sem perda da Especificidade Biológica implicada num jogar e para que a adaptabilidade individual subjacente a esses jogar se consume, como já salientei.


Como se pode ler no excerto de cima, há de facto no organismo uma espécie de Resiliência Metabólica ou Orgânica, decorrente dos estímulos de treino. Poderá ser mais uma aplicação do conceito originário da Física dos Materiais e que a Psicologia adoptou, podendo ser considerado como a capacidade de recuperar de eventos traumáticos. Podendo assumir diferentes definições, pode considerar-se como a capacidade revelada pelos sujeitos, de se restabelecerem após situações adversas, superando o seu estado inicial, sem que tal implique a perda de um funcionamento normativo. Daí que me pareça um conceito perfeitamente aplicável ao fenómeno descrito no excerto anterior e no que se segue.


Este excerto salienta as alterações (aumento dos gradientes musculares de glicogénio, fosfocreatina, albumina nitrogenada e ATP) pós estimulação induzidas no organismo se devidamente salvaguardado o repouso. O incremento verificado na sequência da estimulação leva-me a reflectir sobre aspectos muito pertinentes. Desde logo, faz pensar sobre a importância e pertinência da pré activação dos jogadores, vulgo aquecimento, tanto em treino como em competição. Como parece ser evidente a estimulação prévia dos jogadores, levada a efeito em Especificidade (já foi salientado antes que a Especificidade do estímulo é determinante), sem indução de fadiga predispõem o organismo para uma melhor, mais capaz e mais eficaz funcionalidade quando posteriormente o jogador tiver que dar resposta às exigências circunstanciais em treino ou competição. Este aspecto reforça ainda a importância do treino que antecede o jogo ter como principais propósitos os referidos anteriormente e assumir a configuração sugerida.

Motivo pelo qual a pré activação deva ter uma configuração próxima das referida acima para a sessão de treino que antecede o jogo (Sábado), ainda que como é obvio com duração mais reduzida.

Com base numa perspectiva holística do organismo humano, este ponto do texto lava-me a pensar no conceito, potencial de acção motriz, que se refere ao momento em que se observa no cérebro, um aumento significativo ao nível da estimulação neuronal, o qual precede a sensação de decidir e a execução do movimento propriamente dito. O Professor Paulo Cunha e Silva refere relativamente a este conceito o seguinte:

“Como vemos, a percepção é já, de certa forma, acção, porque o corpo se encontra comprometido com o mundo quando percepciona: como que o antecipa (…) antes de fazermos já estamos a fazer. No momento em que se percebe, já se começa a agir, antes de se agir de facto (…) E portanto, o normal é que primeiro exista a vontade da pessoa se mexer e depois a pessoa se mexa (…) Há dados estranhíssimos que revelam que o segundo neurónio se pode estimular antes do primeiro. Portanto como se a acção fosse anterior ao pensamento da acção e à vontade da acção (…) uma espécie de antecipação da acção por parte dos músculos”. Um entendimento que como salienta, inverte todos os paradigmas da Neurofisiologia e que implica uma nova noção de cognição, percepção e de acção, revertendo deste modo, a linearidade convencional e o princípio de causalidade entre percepção e acção que requisita uma mudança de paradigma proclamada por Berthoz & Petit. Uma mudança que conforme salientam resulta da urgência de reinventar uma nova “fenomenologia e fisiologia da acção”. Curiosamente esta nova “fenomenologia e fisiologia da acção” tem nos possibilitado dados recentes muito interessantes. Hoje sabe-se que o ATP além da função primeiramente conhecida, enquanto molécula fundamental para a contractilidade muscular, desempenha funções de informador do Corpo, assumindo-se como um agente determinante na proprioceptividade, e por que não na antecipação dos estados do Corpo. Uma antecipação que poderá ser o motivo pelo qual se observa a nível muscular incrementos dos elementos metabólicos (ATP incluído) implicados na acção humana. Essa antecipação, digo eu, que deduzo poder ser descrita no excerto anterior, pode revelar-se como uma pré activação de mais larga escala (temporal), que difere da que se observa em fracções de segundo quando se despoleta aquando do potencial de acção motriz. São portanto para mim fenómenos possivelmente análogos ainda que com escalas temporais distintas.

Pode concluir-se que o nosso Corpo revela desse modo uma capacidade para antecipar o mundo que percepciona, como sugere o Professor Paulo Cunha e Silva. No caso parece-me que o Corpo revela a capacidade de antecipar o mundo que advinha, reforçando assim a ideia que também para o Corpo o futuro se assume como elemento causal. Nos excertos que se encontram em cima, assim como os que se seguem, procuram descrever o fenómeno da autorenovação, e aquilo que convencionalmente é designado por efeito retardado das cargas. Face à minha interpretação, e cortando com a terminologia conotada com a norma do treinar, sugiro que o que se verifica de facto pode ser designado de Efeito Antecipado dos Desempenhos. Uma antecipação que resulta da habituação a uma Especificidade levada a efeito por um processo que tendo por base a potencialidade Inteligente do Corpo assume o futuro como uma emergência e como elemento causal do processo. É por tudo isto que a Periodização Táctica se revela transgressora, uma vez que desde da década de 1970, ainda que não nos moldes actuais (a nível de pormenor), coloca o enfoque na operacionalização desta fenomenologia inerente à Acção Humana (InterAcção no caso do Futebol), e na necessidade de entender os órgãos efectores do movimento e o que os sistemas que os sustentam como estruturas Inteligentes e plásticas que carecem de ser intencionalizadas tendo por base um referencial Colectivo.


Este excerto além de ir de encontro ao anterior, reforça a importância de muito do que já foi referido, nomeadamente, a conveniente operacionalização do Morfociclo, o que passa pela correcta contemplação e articulação dos Princípios Metodológicos, para que não se observe a massificação das mesmas estruturas e sistemas metabólicos implicados e para que essa vivenciação permita que a nível individual se verifiquem alterações e uma adaptabilidade a nível individual que possibilita a concretização desse jogar, através do devido fraccionamento e doseamento do treino de modo a que o repouso se verifique e consequentemente os necessários fenómenos de biosintese. Só deste modo se cumpre devidamente o tal fenómeno de Resiliência Orgânica designado de Ciclo de Auto-Renovação. Um ciclo que pela natureza acíclica (ainda que referenciada a um padrão), devido à constante emergência de novos estados de ordem e à sua natureza complexa e não linear, é na verdade uma Espiral de AutoRenovação, uma Espiral de AutoEcoEngendração.


Trocando trabalho e carga respectivamente por treino e desempenho ou estímulo faz igualmente sentido o que se refere nesta parte do texto. Por um lado adverte para a necessidade de explorar a tal Resiliência Metabólica ou Orgânica de forma continuada, claro está salvaguardando o repouso. Reforçando também por isso a necessidade do Morfociclo se estabelecer como a unidade basilar. É o núcleo duro do Processo de Treino, a Matriz Metodológico que sobredetermina, se suportada numa intencionalidade prévia, o processo e que como tal se revela pela repetitividade temporal (em termos de lógica, ainda que com variações a nível micro na forma) como a invariância fundamental, capaz de possibilitar uma progressão paradoxalmente apoiada na estabilização e na regularidade de desempenhos. Sendo também esta que possibilita o emergir, pela continuidade do fazer, de uma determinada Adaptabilidade que se perpetua e se vai aprimorando, como se pode ler de seguida.


No fundo encontra-se descrita acima, ainda que não com os conceitos mais ajustados, a essência do treino, um processo de ensinoaprendizagem que visa induzir no organismo uma determinada Adaptabilidade, tendo como meio a aplicação intencional e intencionalizante de determinados estímulos que vão actuar sobre a plasticidade de quem joga, modelando-a. No entanto, conforme se tona evidente no excerto de cima isso só é possível, se no processo de treino for devidamente contemplado o repouso, que deste modo se assume, conjuntamente com a Especificidade do estímulo, como o responsável pelo direccionamento da Adaptabilidade. No caso uma Adaptabilidade que é colectiva por respeitar no modo como é levada a efeito a essência da modalidade, que é Especifica porque na sua aquisição se pretende dar vida a um determinado jogar, uma Organização Colectiva Intencionalizada, sem que com isto deixe de respeitar a Individualidade ou Singularidade do ser que joga. Uma vez que induz em cada jogador uma Adaptabilidade que respeitando a essência da modalidade e a matriz de um jogar, encontra na plasticidade de cada individuo uma forma única de Adaptabilidade que respeita e aproveita as singularidades de cada organismo. Por isso se diz que a Periodização Táctica, não se preocupando com a individualização do treino é a mais Individualizante de todas as metodologias.


O ciclo de autorenovação (Espiral de AutoRenovação / AutoHeteroEngendração) encontra-se descrito e esquematizado em cima. Uma explicação que substituindo os conceitos sustenta muito do que foi referido até aqui. A fase de exaltação é descrita como uma espécie de “período fértil” ou “janela de oportunidade”, que contudo tem de ser aproveitada antes sem que se instale fadiga, dando ainda mais sustentabilidade à ideia já defendida que treinar cansado não é rentável em termos aquisitivo e tem associadas alterações biomecânicas e metabólicas indesejáveis.


Apesar de esquematizar o que sucede, ou se deseja que suceda no processo de treino a verdade é bem menos linear, motivo pelo qual deverá ser interpretado com relativas salvaguardas, pois conforme referi trata-se de uma Progressão complexa.



Precisamente a Lei de Roux torna evidente a complexidade a que me referia. Adverte para o complexo problema do ajustamento e dos timings de estimulação, ainda que socorrendo-se de conceitos diferentes. A calibragem dos estímulos (ajustamento, doseamento e timings) são tarefas fundamentais na actividade de um treinador, e que devendo nortear-se pelos Princípios Metodológicos requisitam igualmente a aplicação do MetaPrincípio que é a Divina Proporção. A natureza altamente sensível do fenómeno e a necessidade gestão dinâmica de todo este processo de causalidade não linear, torna a ArteCiência do treino próxima da ArteCiência da culinária. Tal como na cozinha um dos grandes problemas que se coloca no treino de futebol é o doseamento e a necessidade de o ajustar em função da interacção dinâmica de tudo o que envolve o processo. Por esse motivo para treinar havendo referenciais gerais que se devem assumir como invariantes (Matriz Metodológica – Princípios Metodológicos), em cada processo há necessidade de recriar a receita e de cozinheiros para o fazer. No reino da não linearidade ao dobro de elementos em interacção não correspondem necessariamente o dobro dos procedimentos a serem levados a efeito, pois dele emergem variáveis que importa reconhecer para dosear convenientemente, na Divina Proporção.



Este esquema retrata, de uma forma geral, o que se verifica quando os períodos de repouso não são respeitados. Observa-se que a constante solicitação das mesmas vias metabólicas, ignorando o devido repouso tem como consequência uma diminuição da capacidade de metabólica para sustentar os desempenhos, o que se reflecte consequentemente na diminuição significativa dos desempenhos. Este parece ser o perfil “regressor” de progressão que se observa na generalidade dos jogadores e equipas, consequência da ênfase colocada na quantidade de treino em detrimento da qualidade, o que leva treinar muito e sem se reconhecer a importância do repouso e da reestruturação orgânica, que conforme foi suficiente referido é determinante para o emergir de novos patamares de desempenhos.

O perpetuar desta sucessiva estimulação sob estado de fadiga acumulado consideráveis motiva estados de sobretreino, e levam-me também a especular sobre a possibilidade de tal justificar o aspecto aparentemente envelhecido dos jogadores de futebol quando terminam as suas carreiras. Parece evidente que a generalidade dos jogadores de futebol, assim como outros desportistas, apresentam um aparente envelhecimento precoce. Sabe-se que os radicais livres estão associados ao envelhecimento e que estes se produzem a nível celular, de modo especialmente intenso quando organismo é estimulado para além dos índices normais. Assim, pode deduzir-se que o não cumprimento dos períodos de repouso em treino e a impossibilidade de descansar e de recuperar significativamente entre treinos e entre treinos e competições, hipotecam a possibilidade destes metabolistos serem neutralizados tornando propensa a degeneração celular. Penso que a lógica dominante no treino de futebol, norteada pelo embuste do muito trabalho, não permite a devida regeneração e ressíntese metabólica e orgânica, contribuindo deste modo para o aspecto envelhecido dos futebolistas. Se assim é por fora imagine-se por dentro?!

Termino este texto com o aspecto que mais importa reter relativamente ao que foi referido, ou seja, é fundamental reconhecer a importância de perceber o Ser que joga. E desde logo, reconhecer aquele que é talvez o aspecto mais significativo da Humanidade, a variabilidade, e por arrasto o que poderá estar na origem desta, a Plasticidade. É por via desta permeabilidade à variabilidade dentro das franjas fluidas de um padrão que se torna possível através da estimulação (treino por exemplo) modelar um Corpo. Elege-se por isso a Plasticidade como uma problemática central no treino, o qual enquanto processo de EnsinoAprendizagem visa induzir, InCorporar alterações duradouras nos organismos. Como? Agindo sobre as suas plasticidades. Mas que tipo de plasticidade?! Depende da forma como concebemos o estímulo. Se for carga, a adaptabilidade terá o viés para a exaltação da dita dimensão física, não apelando à inteligência e por isso mesmo fazendo sentido a terminologia (carga) associada a animais de trabalho, ou ainda a burros (analogia: no caso do futebol, um futebol de coices praticado por atletas, com um critério de realização semelhante ao dos burros).

Mas poderá ser outro tipo de plasticidade?! Pode aspirar-se a uma PlastEspecifidade se desta resultar uma Adaptabilidade induzida pela vivenciação intencionalizada de determinados referenciais colectivos organizativos, que na sua manifestação vão permitir o emergir de uma identidade colectiva sem hipotecar a identidade de cada um. Mas será isto por si só suficiente?! A dimensão relativa à concepção de jogo, ou seja, a intenção prévia, a esfera dos Princípios de Jogo sendo relevante não é suficiente para que a intencionalidade se expresse como Especificidade. Para que a modelação do jogar desejado se processe importa que o processo que leva à InCorporação seja operacionalizado tendo em consideração os Princípios Metodológicos da Periodização Táctica (Princípio da Progressão Complexa, Princípio da Alternância Horizontal em especificidade, Princípio das Propensões) os quais para um devido entendimento e manuseamento requisitam do reconhecimento da não linearidade que envolve tão complexo processo (feito de progressos e retrocessos) e ter consciência que o modelo é um impossível necessário. O modelo como refere o Professor Vítor Frade é “qualquer coisa que não existe, mas que todavia se pretende encontrar”, devendo ser alimentado e realimentado com recurso ao Princípio da Divina Proporção (MetaPrincípio). Se assim for a plasticidade que daí emergirá será, de facto, uma PlastEspecifidade.
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Grande abraço
Luis Esteves

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